Curitiba perdeu nesta segunda-feira (9) um de seus maiores personagens: Dalton Trevisan, considerado um dos maiores contistas brasileiros desde 1965, ano em que lançou “O Vampiro de Curitiba”, livro cujo título caiu como um apelido para o autor, avesso à entrevistas e badalações, que criou um grande mistério em torno de si mesmo. O corpo do escritor, que morreu aos 99 anos no apartamento onde residia no centro da capital, será cremado nesta terça (10) em uma cerimônia restrita aos familiares. Não haverá velório.

Dalton, que faria cem anos no próximo dia 14 de junho, nunca deixou de escrever. Seu livro mais recente, “Antologia Pessoal”, com textos inéditos, foi lançado pela Editora Record no ano passado.

A concisão, o mistério, a crueldade e a língua ferina de diálogos e situações ambientadas em sótãos, varandas, ruas de barro e quartos escuros da cidade onde Dalton nasceu e morreu são alguns aspectos de uma vasta obra, que recebeu em 2012 os prêmios Camões, o mais importante da língua portuguesa, e Machado de Assis, este entregue pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Fiel ao seu estilo , o autor não foi nem à Lisboa e nem ao Rio de Janeiro receber as honrarias.

Ao lamentar a morte do escritor, através das redes sociais, a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC) o homenageou como um mestre do conto, que “desvendou como poucos as complexidades humanas e as angústias cotidianas da vida urbana. Dalton retratou com crueza a solidão, os dilemas morais e as contradições da classe média, com um olhar atento para os excluídos e marginalizados”.

Aqui, um trecho de “Chove Chuva”:

“A fumaça da chuva sobe pela chaminé das casas e se espalha sobre a cidade. Um fio de silêncio cai de cada gota. As gatas dengosas se viram de costas para dormir. Chove chuvinha, um lado da palmeira nunca se molha.

A casa das formigas não tem porta, e quando chove, não se afogam? Piam milhares de pardais entre as folhas do chorão. Não existe melhor conchego que um barzinho. Nada como a meia grossa de lã. Apaixonadas ou não, mocinhas espirram na fila do ônibus.

Neste instante há no mínimo três mil pessoas infelizes com o sapato furado. Basta que não chova eu me chamo Felipe, o Belo. Como pisar na lama, garotas da várzea, sem sujar as sapatilhas? Orelhas de piás são puxadas por brincarem na chuva. Os mascates que vendem maçã na rua, em desespero comem as maçãs?”.